sábado

O Evangelho inconcusso do Espírito

Há um certo paradoxo em pautar assim a menasagem evangélica tal como os Actos no-la apresentam: este "segundo" livro não apenas parece tornar secundário (mas não inútil) o primeiro livro que é o Evangelho, senão que, sendo obra do historiador anunciada como tal, parece colocar a História que de antemão, pesquisa e conhecimento do passado num lugar secundário das nossas preocupações, se não das suas.
Para entendermos um tal paradoxo e descobrirmos a intenção profunda do livro dos Actos, precisamos de fazer uma reminiscência daquilo que concomitantemente abre este livro e lhe coloca esteriotipadamente a trama: o anúncio e a manifestação do Espírito Santo. Ipsofacto, é capital para o entendimento que devemos fazer da história no livro de Actos: em virtude da presença ao Espírito actuando em cada crente,a História deixa de ser a simples relação de factos e de pessoas do passado, para se tornar o espelho do nosso presente.
Olhar o passado e descobrir aí o que hoje vivemos tal como os nossos ancenstrais o viveram na originalidade do seu tempo: a presença e a acção do Espírito.
Lucas , a propósito de Paulo - tem consciência de que o discípulo se conforma com o seu Mestre, Jesus.Porém não se trata de imitaçaõ articial de uma pessoa desaparecida . Esta imitação é uma vida no presente, porque é conformidade com um Vivo, Cristo ressuscitado,animada pela acção permanente do Espírito.
Entendemos, sem dúvida , assim melhor o cuidado de Lucas na sua maneira de escrever a História , que pode ,por vezes, chocar a nossa mentalidade científica: existem, nos Actos , silêncios,até "erros" históricos.
Finalmente realizando uma obra de historiador à medida do seu tempo Lucas perseguia um outro objectivo: o de nos mostrar o crente sob a acção do Espírito, garantido, por isso de ser, em cada hoje, Cristo vivo.

quarta-feira

Programa de Integração

A minha personagem, Timóteo, é um dos mais óbvios em termos de programa de integração. Actos 16,1 diz que ele era “filho de uma judia crente e de pai grego” e antes de partir em missão com Paulo é circuncidado. O cristianismo desde o seu início, como Timóteo, não é de “raça pura” mas integra o velho e o novo, promessas e profecias, o particular e o universal. Tal como os cães de raças misturadas são por norma mais saudáveis, a diversidade presente desde o primeiro cromosome do cristianismo torna-o robusto e reveste-o duma capacidade de reacção e adaptação.

Hoje em dia a diversidade é aceite e promovida, mas mesmo nos lugares com mais “mente aberta” parece haver sempre um instinto inato de gostar do que se conhece, ou é semelhante, e estranhar o diferente. Não digo só na aceitação de pessoas ou nacionalidades diferentes, mas também no rumo diário e constante da vida. No entanto se há uma coisa que é constante na vida, esta é a a mudança. Se não formos nós a fazer uma luta constante e honesta para ultrapassar os nossos medos e limitações, a vida puxa por nós, tira-nos o tapete debaixo dos pés e vira o nosso mundo ao contrário. Seja pela morte, distância, desilusão, ou então pelos nossos fantasmas interiores, não somos iguais a quem éramos ontem nem nunca podemos voltar a ser.

Os Actos dos Apóstolos, e Timóteo, são um testemunho à vida e a nós próprios, para aceitarmos os desafios do futuro sem esquecer o passado, para alargar as nossas fronteiras a Roma ou até aos confins do mundo e para chegar até Deus.

“Aquele que não está todos os dias a conquistar
algum medo não aprendeu o segredo da vida.”
– Ralph Waldo Emerson

“Um homem de coragem é também um homem de fé.”
- Marcus Tullius Cicero

segunda-feira

Jesus construtor da "comum - unidade"

Como vimos, algumas das personagens são representantes da comunidade: Estêvão, Pedro, Paulo, Barnabé, etc. No caso da personagem Jesus acontece o contrário: Ele não representa a comunidade mas é a comunidade que o re-apresenta a Ele. Consequentemente, nessas personagens singulares em que podemos ver o colectivo, também podemos ver o próprio Jesus, na medida em que representando a comunidade O representam também a Ele.

Exemplifico com alguns paralelismos interessantes: na cura do coxo por parte de Pedro e João entrevemos os milagres de Jesus (são relatos distintos mas com traços de continuidade). A última expressão de Estêvão - “Senhor, não lhes atribuas este pecado” é o eco de uma das frases de Jesus na cruz (Lc 23,34). A itinerância de Paulo pode ser vista como uma “ampliação” da itinerância de Jesus durante a Sua vida pública até à entrada derradeira em Jerusalém (segundo o esquema dos Sinópticos). O próprio processo judicial da condenação de Paulo tem traços comuns com o processo da condenação de Jesus: a ida para Jerusalém, as “armadilhas” do Sinédrio, o facto de andar a saltitar de político para político, etc.

De certa forma, a comunidade é como que uma “sala” de espelhos de Jesus, em que cada personagem constituinte da comunidade o reflecte, num jeito próprio. Elas são, de facto, re-apresentações de Jesus, mas não a papel químico: Jesus vai conduzir a comunidade a descobertas surpreendentes acerca da sua identidade e do seu destino, isto é, revela respostas imprevistas às questões: “Quem somos?” “Para onde vamos?”. Vemos que a auto-percepção que a comunidade tem de si e da sua missão sofre uma metamorfose ao longo da obra. Do grupo de apóstolos inicial fixo em Jerusalém passamos para uma multidão imensa, de ex-Pagãos e ex-Judeus, disseminada pela faixa territorial entre Jerusalém e Roma.

Esta construção da comunidade é feita por Jesus mas através do Espírito Santo. É por ele que Jesus vai actuando na comunidade e através da comunidade (baseando-me numa frase da Julie), constituindo-se Ele como a “comum unidade” da comunidade. Como conclusão, posso afirmar que não é só Jesus que constrói a comunidade, é também a comunidade que reconstrói Jesus.