quarta-feira


O relato da eleição de Matias (Act 1, 15-26), para ocupar o lugar deixado por Judas, é, na sua globalidade, um bom exemplo da estratégia teológico-narrativa de Lucas.
O texto inicia-se com o discurso de Pedro a uma assembleia de cento e vinte irmãos que, ali, se encontrava reunida. É logo aqui que encontramos os primeiros traços da estratégia de Lucas. A comunidade é hierárquica, dirigida pelos apóstolos entre os quais se destaca, claro, Pedro. Facilmente se estabelece uma relação de paridade entre o número de irmãos presentes na assembleia e o número das tribos de Israel – cento e vinte irmãos, doze tribos. Esta ideia é ainda reforçada quando Pedro faz uma releitura do Antigo Testamento à luz dos acontecimentos presentes, relacionados com a traição de Judas e com o subsequente desenlace da sua história.
Há quem afirme que o narrador se serve de lendas que já correriam acerca da morte do traidor. De qualquer forma, e introdução dos dados acerca da morte de Judas, como uma realidade do conhecimento geral, assim como as referências topográficas é uma forma de dar força ao discurso, prólogo do que adiante acontecerá. Este primeiro grupo é o que há-de receber o Espírito no Pentecostes. Acontece, contudo, que o grupo dos apóstolos não está completo. Assim, servindo-se dos textos proféticos e dos salmos, Pedro pretende guiar a assembleia para uma decisão, o seu discurso é, senda que liga a história de Israel à história da assembleia reunida, visa a eleição, por parte de Deus, de um homem que venha completar o grupo, nos moldes deixados por Jesus.
Numa dinâmica que articula a acção divina e humana, a comunidade, segundo as linhas traçadas por Pedro, escolhe dois candidatos. Estes, homens rectos e justos, acompanharam Jesus desde o baptismo de João até à sua morte, sendo testemunhas da sua ressurreição, são José, chamado Barsabás, apelidado Justo e Matias. Deus cujo juízo é justo, por meio da sorte, elege Matias.
O narrador segue duas linhas no seu relato, a primeira é a do próprio relato e a sua história, a segunda a teologia por trás do relato. Neste texto, a imagem que transmite da comunidade, não se realçam as diferenças entre o povo da Antiga e o da Nova Alianças, é certo que, interiormente, se identificam as distinções mas, não é esse o objectivo do autor. O relato visa a unificação e a herança comum, prova disso é o próprio uso, num texto redigido em grego, de termos hebraicos e da sua subsequente tradução. Há pontes que tem que ser estabelecidas em dois sentidos. O primeiro é, certamente, o reportar a assembleia a Jesus. Este ponto é fulcral porque garante uma identidade. Os apóstolos são o vínculo directo entre Jesus e a assembleia, por isso a escolhe do substituto de Judas só pode ser levada a cabo por Deus, sem contudo ser alheia à comunidade. Assim, também, compreendem-se cabalmente as condições da escolha. O segundo é a inserção da nova comunidade na história do povo de Israel, arriscamos, na história da salvação que não acaba com a consumação da Antiga aliança, mas que se abre ao mundo.

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