segunda-feira

Estêvão – “anjo útil”



“Todos os membros do Sinédrio tinham os olhos fixos nele e viram que o seu rosto era como o rosto de um Anjo.”
Act. 6,15


“Anjo inútil¹

Passou um anjo de rastos
Na selva da minha vida
O sangue dele nos cardos
Ainda hoje tem vida

Rasgou as asas na febre
De me levar mais além
Por esse amor que me teve
Amei-o como a ninguém.”


É interessante como a personagem Estêvão, na sua morte, é também a personagem deste poema/fado. Ele foi um anjo que passou de rastos na selva das vidas daqueles que, não estando sem pecado, lhe atiraram as primeiras e as últimas pedras. Não conseguiram ver as suas asas invisíveis. É também interessante como ele as rasgou por aqueles que rasgavam as vestes… como o sangue de um doce “diakonos” se entranhou subrepticiamente nos espinhos das folhas e flores dos cardos dos corações de “diabolos”… como a febre de quem “adoece” de amor por Cristo abre o céu e ainda leva para o que está mais além dele.

Contudo, se espreitarmos por entre os traços da morte de Estevão veremos ao fundo a cruz de Jesus. Estêvão ao morrer pede para que Jesus receba o seu espírito, tal como Jesus tinha pedido ao Pai, e também como Ele pede o perdão dos pecados daqueles que o matavam. Por isso, este fado também pode ler de alguma forma o próprio Jesus e arrancar-lhe sentidos. Ele foi o próprio Deus (não um anjo) que passou e que rasgou a carne para nos levar mais além (até Ele). E cujo sangue ainda hoje tem vida e é a única coisa que rega os altos cardos da nossa alma. Quem lê os Actos depara-se entre as suas personagens com anjos que abrem as prisões e soltam os apóstolos, mas os apóstolos são de alguma forma anjos (aggelw – anunciar; aggeloi – aqueles que anunciam) que se metem em prisões; que sacrificam as asas para levarem outros a voar. Os Actos são um desfile de personagens que “O amaram como a ninguém” e por isso constituem uma grande escola de relação com Jesus.

Desculpem este “desfiamento” talvez excessivo do poema/fado, numa procura de expor a sua relação com o episódio da morte de Estevão. Decidi partilhá-lo com a restante comunidade de leitores como espécie de proposta de uma banda sonora para esse relato.

¹ Fado escrito e composto por Luís Macedo e cantado por Amália. Se quiseres, tenho esse original da Amália em CD (posso emprestar) ou então podes ouvir a interpretação de Aldina Duarte:


http://www.aldinaduarte.com/site/player/ouvir.php?op=03Anjoinu.wma&idioma=pt

Um comentário:

Helena Franco disse...

CÁTIA, deixa-me continuar a elogiar-te... Desta vez, pelo bom momento de fado, mas, sobretudo, pelo bom momento intelectual, num registo teológico. Gosto mais de ouvir a tua voz que fala teologia do que a voz que canta o fado. Mas a tua voz talvez até já cante o fado das saudades de Deus. E isso é muito bonito.