sexta-feira

Actos dos Apóstolos: História de histórias

Achei interessante a relação que a Helena fez entre História e Teologia (passo a citá-la): “História e Teologia estão, nos Actos dos Apóstolos, intimamente ligadas pela palavra e pelo silêncio que a fecunda”. Era um comportamento já veterotestamentário usar a História como “aparelho vocal” da Teologia. Esta não era exprimida por raciocínios secos e ideias sem carne mas pelas histórias da História. Desta forma, a História era lida teologicamente e vice-versa. Os Actos são assim construídos neste dinamismo de cumplicidade. A Teologia não é transmitida a soro ou com uma sonda, é comida numa rede de sabores feita pelas personagens nos traços das suas personalidades, pelos solavancos das acções, pelas cores e cheiros dos cenários, etc. No caso de Lucas, o concreto da História, o carácter documental do texto, confere um paladar verídico ao que é contado. Ele sabia que tanto a fantasia pura como a Historiografia crua ajudariam a matar o mistério, que as histórias foram feitas para vivificar e tornar talvez ainda mais misterioso.

Lucas elabora um percurso do vestígio ao símbolo. Os acontecimentos são como um conjunto de ingredientes expostos sobre a mesa, mas que serão “cozinhados”, num dinamismo interpretativo. A partir dessa actividade de leitura dos factos, de busca de nexos entre eles em vista a serem articulados e harmonizados num sentido ou projecto teológico, eles passam de factos que aconteceram para elementos capazes de projectarem o homem para outra dimensão (ou seja, constituem-se como símbolos). Os acontecimentos assumem-se como catapultas para a sua própria dimensão transcendente e, consequentemente, para a dimensão transcendente dos acontecimentos de hoje e de amanhã. Esta “transcendência” não seria revelada se eles fossem factos isolados desintegrados dum horizonte de sentido. Também não seria revelada se não fossem reconstruídos por dispositivos de ficção, na medida em que é inegável na História a sua intrínseca dimensão literária (porque não sendo dita em histórias não é História). Posso concluir dizendo, completando a afirmação da Helena, que é a História, assim entendida como realidade transformada pela palavra e transformante, que liga os acontecimentos à Teologia.

Um comentário:

Helena Franco disse...

Degustámos o alimento teológico que nos foi preparado pela Cátia, autora deste post, com um prazer idêntico ao que experimentámos ao ver os filmes "Ratatui" e "Sem reserva". (Brevemente: no primeiro, há um rato cozinheiro; no segundo, há uma mulher e um homem cozinheiros.)
O discurso da Cátia é-nos servido com o requinte de um belo manjar e pudemos apreciá-lo vivamente, com a satisfação dos nossos sentidos.
As delícias deste manjar celebram a alegria das ilustres presenças da História, da Teologia e da Literatura, que vêm acompanhadas de dois vinhos, um branco, outro tinto - respectivamente "mistério" e "símbolo". E. ao lado, dos vinhos, há a transparente água da "dimensão transcendente".
Por fim , cresce-nos água na boca. água esta a que se chama Teologia, a última palavra do discurso da Cátia.
Com toda esta alegoria, queremos estar ao lado da Cátia, animando-a ao "fazer Teologia" com a mestria de que é capaz (como este post mostra). E isto sem pôr de parte as competências de criatividade e de escrita.
Se a Cátia está de parabéns, ficarão aqui - com um amigável sorriso - as seguintes palavras finais: "PARABÉNS, CÁTIA!"