sábado

Livro dos actos dos Apóstolos – História?


Define-se História como estudo e narração sistemática do passado, dos factos (sociais, económicos, políticos, intelectuais, etc. ) considerados significativos
A par disso, como nos diz José Mattoso a história tenta “exprimir o indizível” e pode ser abordada sobre várias dimensões, dependendo do olhar do historiador perante a realidade. Como afirmam alguns autores, a História toda ela é reconstrução, nunca é uma pura descrição dos factos (história não são os acontecimentos directos). Nunca se escreve sem um ponto de vista e toda a história é um ponto de vista que não exclui os outros. Há sempre uma verdade que o autor trabalhou e interpretou (há sempre uma interpretação feita pelo historiador), mas é uma coisa inerente à própria história. Henry Marrou diz que um ponto de vista, uma visão tem carácter histórico se tiver bem fundada na realidade. Assim podemos ter uma visão política, económica, social, cultural…
Em primeiro lugar, convém afirmar que as narrações e os discursos dos Actos dos Apóstolos estão bem fundados na realidade: concordam com o quadro do Evangelho e das Cartas de Paulo. Por outro lado, também são confirmados pelos dados da História e da arqueologia, o que confere à obra valor histórico. Os exames históricos são, com efeito, favoráveis à veracidade do livro e permitem uma cronologia bastante segura das origens cristãs.
Qual o olhar do autor dos Actos para a realidade? Com certeza a visão histórica do livro aparece integrada numa visão teológica. Paul Ricoeur distinguiu três tipos de História: documentária, explicativa e História poética e fala da Teologia como intrínseca à visão historiográfica poética (aquela que relê o passado em relatos fundadores, história identitária que permite à sociedade construir-se a si própria). Sem dúvida que o autor dos Actos dos Apóstolos, vê a História do mundo como uma História de Salvação que tem Deus como autor principal. Sendo assim, para ele, é o Espírito o grande autor do nascimento, do crescimento e sustentação da igreja num jogo de vontade de Deus e liberdade humana que permanece um mistério. O autor atribui muita importância ao tempo presente, como memória e imperativo da fé em Cristo Ressuscitado.
A crítica moderna contrasta os Actos dos Apóstolos com o que se pode conhecer da época através de outras fontes. Prestando atenção a pequenos pormenores do livro, tentam indagar acerca do objectivo do autor e chegam à conclusão que o livro não é uma simples crónica histórica dos acontecimentos. Sendo certo que muitos críticos puseram em causa a própria historicidade dos relatos e embora não sendo, como afirmam, uma simples crónica história, isso só por si não tira valor à obra. O livro dos Actos dos Apóstolos dá um grande contributo à história pela sua visão teológica dos acontecimentos, num mundo muito marcado pelo racionalismo e muitas vezes pouco aberto ao mistério.
Se me permitirem a ousadia de uma pergunta de um mero estudante de Teologia, não será a Bíblia (inclusive os Actos dos Apóstolos) a História com H grande, a História por excelência?

Domingos Pedro

Um comentário:

Helena Franco disse...

É sempre difícil exprimir o indízivel. Se o autor deste post afirma, conjuntamente com José Mattoso, que "a história é expressão do indízivel" e alude ao "mistério", há muitas palavras por dizer. Entre essas palavras, há as palavras "exercício contemplativo" que, para José Mattoso significam "a observação atenta do real" ou "um acto de amor".
Este post exercita, predominantemente, as faculdades racionais do seu autor Domingos Pedro, em detrimento de uma interiorização radical da História poética conceptualizada por Paul Ricoeur. É verdade que Domingos Pedro expõe claramente a "visão historiográfica poética" por meio de um entre parêntisis onde diz "aquela que relê o passado em relatos fundadores, história identitária que permite à sociedade construir-se a si-própria", tendo-a ligado à à Teologia, mas, ainda assim, a interrogação final é somente a sedução da palavra aquém da sua totalidade.
Porém, Domingos Pedro tem uma perspectiva totalizante da História, ao afirmar que o olhar do historiador integra visão história e visão teológica. Assim é o olhar do historiador e teólogo Lucas.
Embora nos pareça descessário, respondemos à interrogação final deste modo:
Nos Actos dos Apóstolos, a História tem um H grande porque abarca a Humanidade que,a partir dela e nela, se constrói.