segunda-feira

Sofrimento / Alegria; Saudade / Esperança


Esta é a imagem do rosto do Cristo crucificado que se encontra da capela do castelo onde são Francisco Xavier viveu a sua infância e adolescência. Acho o pormenor de estar a sorrir – um pormenor que não é pormenor, de um refinado interesse e beleza. Esse sorriso do crucificado vai ao encontro da forma como a Primeira Carta de Pedro interpreta a cruz e Jesus, o sofrimento e o sofredor. Este sorriso diz que ao seu sofrimento absoluto, Cristo responde com uma alegria quase absurda, ainda mais impensável que o seu próprio sofrimento. O sorriso deste crucificado é inútil, e por isso especialmente belo - não o salva da morte nem do escândalo. E é este sorriso a utopia de Pedro; ele propõe a extravagância de se dar em troca da dor que se recebe uma alegria irrazoável, e, paralelamente, de se dar em troca do mal o bem, em troca da rejeição o amor. Deste modo, a fé torna-se um saber sofrer. A cruz ensina que a mortificação e a vivificação são dois aspectos duma mesma transformação. Que o sofrimento tem várias funções, e só na sua compreensão compreenderemos o seu importante papel. O sofrimento é revelador do sujeito na parte de si mesmo que não muda a sua identidade com o estatuto social.* É uma educação para vivermos em função do juízo de Deus e não do juízo dos homens. E por isso, a rir na cara da dor.

Que sofrimento é este? E, esclarecido este aspecto, que alegria é essa?
O Roberto, num dos seus posts, afirmou:
“(…) a tensão que todo o estrangeirado conhece, que é a de ser um deslocado desperto para aquele outro local que a saudade invade.”
Cito esta frase pois julgo ter a chave para se entender a essência deste sofrimento partilhado pelos destinatários da carta (a título de proposta de interpretação): a saudade. Em primeiro lugar, a saudade e o sofrimento destes cristãos assemelham-se por serem um misto de tristeza e de alegria, por derivarem do amor e por ele ser experimentado numa distância. A problemática do sofrimento dos cristãos é idêntica à da saudade: eu amo mas não tenho; há uma posse e proximidade espiritual mas não física e factual. Segundo Leonardo Coimbra, “a saudade é a lembrança da pátria com o desejo do regresso”¨**; era isto que os cristãos sentiam: saudade da sua pátria essencial e o desejo de nela viverem. Em segundo lugar, ambas são intermédios, existindo em função do encontro que se constituirá como regresso e alegria.

Aponto três dimensões desta saudade/sofrimento: saudade espacial, saudade temporal e saudade ontológica. Espacial atendendo ao início da carta: são cristãos forasteiros, “fora-de-casa”; temporal atendendo aos traços escatológicos da carta – o sofrimento gera saudade e esta gera a esperança do tempo que virá, o tempo final da alegria; e a ontológica: o desejo de ser o que é (cristão) e de não poder ser… a saudade de si próprio, tem se saudade da sua identidade descriminada e perseguida. Como definiu Leonardo Coimbra (mais uma vez), saudade é um “excesso de presença”, da presença de Cristo, no caso da carta. Excesso que tiveram de conter solitariamente. Por isso Pedro aponta alternativas: responder com alegria louca ao sofrimento louco, com bem ao mal e com esperança à saudade.

* cf. CALLOUD, Jean; GENUYT, François – La premiére epître de Pierre : analyse semiotique. Paris : Cerf, 1982. p. 173 – 205.
** COIMBRA, Leonardo – Sobre a Saudade. In “A Águia”. III série, n.ºs 11-12, 923.

Um comentário:

Helena Franco disse...

CÁTIA, Ai as Saudades!... São um alegre sofrimento e um sofrimento a alegre. Saudades... de Deus!... Alegria em Deus e dor. MUITO BOM POST. OBRIGADA PELA TUA PARTICIPAÇÂO SISTEMATICAMENTE ACTIVA NO BLOG. AGORA, BOAS FÉRIAS E BONS EXAMES: