
Se podemos dizer que a teologia balthasariana emerge da literatura, então podemos ser leitores atentos do sofrimento transformado em criatividade e do desespero em esperança nas palavras de quem já só tinha a palavra. Diz ele:
“O escafandro torna-se menos opressivo e o espírito pode vagabundear, como uma borboleta. Há tanta coisa a fazer. É possível elevar-me no espaço ou no tempo, partir a voar para a Terra do Fogo ou para a corte do rei Midas. É possível ir visitar a mulher amada, deslizar junto dela e acariciar o seu rosto, ainda adormecido. É possível construir castelos no ar, conquistar o Tosão de Ouro, descobrir a Atlântida, realizar os sonhos de criança e os sonhos de adulto.”
“Le scaphandre et le papillon” é um livro autobiográfico que viria a inspirar a realização de um filme muito bom de Julian Schnabel, no qual a palavra é uma personagem central. E a palavra está estreitamente ligada à relação. No início, Jean-Dominique Bauby (interpretado por Mathieu Amalric) é chamado pela ortofonista (interpretada por Emmanuelle Seigner) de Mr. Bauby, mais tarde de Jean-Do.
“Le scaphandre e le papillon” é a metáfora inacreditável de como podemos sofrer “as dores de parto” em experiências-limite, sem estarmos só, mas acompanhados pela parteira, que é aquela pessoa que tira de nós uma nova vida. Ou seja, é uma metáfora de relação.
Jean-Do é um Êutico (Act 20,7-12) dos nossos tempos. Para Jean-Do a parteira é a ortofonista; para Êutico a parteira é Paulo. Nos dois casos, há uma nova vida, que rompe com as barreiras do nosso corpo, dando a liberdade do ser e do devir. A palavra e a relação originam a esperança.
Em jeito de conclusão: “Le scaphandre et le papillon” é excepcional, porque nos faz construir, de modo criativo, uma triangularidade entre a teologia da palavra, a teologia da relação e a teologia da esperança.
HELENA FRANCO
2007-11-15
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